Uma síntese do antigo testamento

Uma síntese do Antigo Testamento
por: Padre Mariano Weizenmann, scj
Entre as inúmeras características possíveis da espiritualidade do Antigo Testamento (AT), proponho um elenco de dez elementos.
Ao longo do último ano apreciamos várias espiritualidades do AT. Existem muitas outras e não poderia faltar uma explícita consideração à(s) espiritualidade(s) presente(s) no livro dos Salmos. Contudo, eles procedem das mais diversas escolas bíblicas e podem ser inseridos nas múltiplas espiritualidades já vistas.
O primeiro elemento característico da espiritualidade bíblica vétero-testamentária é, obviamente, o próprio Deus (cf. Dt 6,4). Mas esse Deus não é um ídolo feito à imagem humana, manipulável e controlável. Antes, é ele o Deus da vida que tudo faz muito bom (cf. Gn 1, 31) e, criando homem e mulher à sua imagem, confia-lhes a tarefa de cuidar e cultivar a terra (cf. Gn 2, 15).
Deus não está ausente nem indiferente ao mundo. Ele mantém a criação e entrega-a aos humanos como missão (cf. Gn 1, 26). Por isso mesmo, o segundo elemento determinante da espiritualidade do AT leva muito a sério a pessoa humana. Ela é livre e sujeito da história, responsável pelos acertos e pecados, protagonista da história (cf. Dt 11, 26-2).
Deus e homem são parceiros, não concorrentes. Daí o terceiro elemento dessa espiritualidade: a Aliança. Ela visa, justamente, preservar a vida e garantir a bênção. E para isso compromete Deus e a comunidade humana (cf. Ex 19, 5-6). No intuito de manter a fidelidade à Aliança é que surgem os homens de Deus, como os profetas, sacerdotes, lideranças do povo. É o quarto elemento de nossa espiritualidade. Embora decididamente comunitária, a vida do povo de Deus, talvez por isso mesmo, dá muita ênfase a pessoas singulares, que têm a missão de lembrar e, sempre de novo, comprometer-se com a Aliança (cf Is 42,6).
Maravilhas de Deus
A espiritualidade bíblica encontra um quinto elemento qualificador, que é o apaixonado amor pela vida. A vida é, de fato, o dom maior do qual todos os demais dependem e são relativos (cf. Sb 1, 12-15). A vida do povo de Deus, porém, acontece na história real, no compromisso fiel com O Deus da vida, na solidariedade com os irmãos e no cuidado da criação. A história da salvação acontece dentro da história e da vida. Eis, pois, o sexto elemento formador da espiritualidade. É a memória das maravilhas de Deus na vida e na história do povo (cf. SI 104 e 105).
Em decorrência disso, vinculado à vida e inspirador para o concreto viver, aparece o culto litúrgico, qual sétimo elemento dessa genuína espiritualidade (cf. Sl 122). Os elementos precedentes são motivo de viva celebração, júbilo e intercessão, ação de graças e pedidos de perdão. A Bíblia também não esconde as fraquezas e safadezas do povo. Por esse motivo, as limitações e infidelidades são levadas em conta como oitavo elemento formador de uma sensata espiritualidade (cf. 2Mc 12, 38-45
Dada à dinamicidade e criatividade de uma genuína espiritualidade, também a do AT é fiel às origens e inspira-se no passado (cf. Jt 8, 25-34). Eis o nono elemento. Por fim, o realismo bíblico sabe que o passado já não temos e o futuro não nos pertence. Por essa razão, o décimo elemento é a fidelidade ao presente (cf. Sl 95, 7) e a abertura ao futuro (cf. Is r, 55; Jr 31,31-34). É perseverante no bem, agora; e esperante no melhor, para o futuro.
Referência: WEIZENMANN, Mariano. Uma síntese do Antigo Testamento. In Ir ao Povo 77 (2003), São Paulo, p. 25.